sábado, 16 de novembro de 2013

HIPOCRISIA DOS FALSOS ANTI-CORRUPÇÃO

Por que prender Zé Dirceu não vai mudar o Brasil

Ou: é o financiamento público de campanha, estúpido! 
A prisão de uma só pessoa não derruba a corrupção. Isso 
é mentira, um artifício para manipular o eleitor contra o 
PT e encobrir algo muito maior que Dirceu
por Cynara Menezes, do Blog Socialista Morena 
WIKIPEDIA
José_Dirceu.jpg
Não vejo como algo “normal” que 
o PT tenha feito caixa 2 para eleger 
Lula em 2002. Não acho “normal” 
que o PT, partido que cresceu prometendo ser diferente dos de-
mais, tenha agido igualzinho aos 
outros. Sim, acho justo que políti-
cos comecem a pagar por estes 
erros. Mas não, não acho que a prisão de José Dirceu é, como pinta a grande imprensa,
um acontecimento capaz de mudar toda a maneira como se faz política no Brasil. Como 
se a prisão de uma só pessoa fosse uma espécie de derrubada das torres gêmeas da cor-
rupção. Isso é mentira, um artifício para manipular o eleitor contra o PT e encobrir algo
 muito maior que Dirceu.
Escrevo para você, vítima do mau jornalismo de veículos que colocam o ex-ministro da 
Casa Civil de Lula na capa, com ares de demônio, e promovem biografias mal-escritas (leia aqui e aqui) onde Zé Dirceu é pintado como “o maior vilão do Brasil”. Você, que 
se empolga com as manifestações quando elas ganham espaço na mídia, mas não vai a 
fundo nas questões quando passa a modinha. Você, que repete chavões ouvidos no rádio 
e na televisão contra a corrupção, embora ache política um assunto chato e fuja de leitu-
ras mais aprofundadas sobre as razões pelas quais a tal roubalheira existe. Eu vou tentar
 te explicar.
Zé Dirceu e os “mensaleiros”, ao contrário do que estes órgãos de desinformação ten-
tam 
lhe convencer, não são a causa da corrupção na política, mas a consequência dela. Infeliz-
mente, no Brasil, para eleger um político é preciso ter dinheiro, muito dinheiro. E é pre-
ciso fazer alianças com Deus e o Diabo. Não foi Zé Dirceu que inventou isso, é a forma 
como a política é feita no País que leva a essa situação.
As campanhas são financiadas com dinheiro de empresas, bancos, construtoras. Você 
daria milhões a um político? E se desse, não ia querer nada em troca? Para você ter uma 
ideia de como são as coisas, o verdadeiro erro do PT neste episódio foi não declarar, 
nas prestações de contas eleitorais, que estava dando dinheiro para outro partido. Decla-
rando, dar dinheiro a outro partido é perfeitamente legal, imagine!
Nenhum destes órgãos de imprensa que crucificam Dirceu foi capaz de explicar para 
seus leitores que só o financiamento público de campanha poderia interromper este 
círculo vicioso em que entrou a política nacional desde a volta da democracia: rios de 
dinheiro saem de instituições privadas para todos os candidatos durante as eleições.
Em 2010, a candidata vencedora Dilma Rousseff, do PT, arrecadou 148,8 milhões de
reais de construtoras, bancos, frigoríficos, empresas de cimento, siderurgia. O candi-
dato derrotado José Serra, do PSDB, arrecadou 120 milhões de reais também de ban-
cos, fabricantes de bebidas, concessionárias de energia elétrica.
Quem, em sã consciência, acredita que um político possa governar de maneira indepen-
dente se está financeiramente atrelado aos maiores grupos econômicos do País, em 
todos os setores? Muitos especialistas defendem que esteja nessa promiscuidade da 
política com o capital privado a origem da corrupção. Eu concordo. Não existe almoço 
grátis. Só um ingênuo poderia achar que estas empresas, ao doarem milhões a um can-
didato, não intencionam se beneficiar de alguma forma dos governos que ajudam a ele-
ger. Prender José Dirceu não vai mudar esta realidade.
Se, na próxima semana, o ministro Joaquim Barbosa decretar a prisão imediata dos “mensaleiros” e isto fizer você pular de alegria, lembre-se do velho ditado: “alegria de 
pobre dura pouco”. Enquanto José Dirceu estiver na cadeia, pagando, justa ou injusta-
mente, pelos erros da política nacional, as mesmas coisas pelas quais ele foi condena-
do estarão acontecendo aqui fora. A prática nefasta do caixa 2, por exemplo, não vai 
presa junto com Dirceu. As negociatas no Congresso não vão para detrás das grades. 
As alianças com o conservadorismo, com o agronegócio, com as empreiteiras, conti-
nuarão livres, leves e soltas.
Sem uma reforma profunda, todos os males da política continuarão a existir no Brasil 
a despeito da prisão de Dirceu ou de quem quer que seja. Leia o noticiário, veja se a re-
forma, a despeito das promessas após as manifestações de junho, está bem encaminhada. 
Que nada! Ao contrário: o financiamento público de campanha foi o primeiro item da 
reforma política a ser escamoteado pelos congressistas.
Não interessa aos políticos que o financiamento privado acabe – e, não sei exatamente 
por que, tampouco interessa à grande imprensa. Nem um só jornal defende outra forma 
de financiar a política a não ser a que existe hoje, bancada pelo dinheiro das mesmas 
empresas que irão lucrar com os governos. Uma corrupção em si mesma.
O financiamento público de campanha poderia reduzir, por exemplo, os gastos milioná-
rios dos candidatos em superproduções para aparecerem atraentes ao público no horário gratuito de televisão, como se fizessem parte da programação habitual do canal. Político 
não é astro de TV. O correto seria que eles aparecessem tal como são, sem maquiagem. 
Sem tanto dinheiro rolando, também acabaria um hábito nefasto que até o PT incorporou 
nas últimas campanhas: pagar cabos eleitorais para agitarem bandeiras nos semáforos. 
Triste da política e dos políticos quando precisam trocar o afeto de uma militância genuína 
por desempregados em busca de um trocado.
Sinto dizer a você, mas a única diferença que haverá para a política nacional quando José Dirceu for preso é que ele estará preso. Nada mais. E sinto muito destruir outra ilusão sua, 
mas tampouco mudará a política brasileira a morte de José Sarney, que vejo muita gente 
por aí comemorando por antecipação. O buraco é mais embaixo e muito mais profundo. 
Eu pessoalmente trocaria a morte de Sarney e a prisão de Dirceu por um Brasil que sou-
besse escolher melhor seus representantes. E fosse capaz, neste momento, de lutar pelo 
que de fato pode revolucionar a política: o financiamento público de campanha. Alguém 
está disposto ou a prisão de Zé Dirceu basta?

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