sábado, 15 de março de 2014

PADRE TOLEDO, UM DOS INCONFIDENTES NASCIDOS EM TAUBATÉ

Padre Toledo, um líder inconfidente

Vigário da Vila de São José, atual Tiradentes, foi fundamental para a inconfidência mineira – e sua imponente casa, transformada em museu, está sendo restaurada

Luiz Cruz13/12/2011 
  • Casa de Padre Toledo, hoje transformada em museu: prédio do fim do século XVIII foi onde o padre morreu e um dos locais de conspiração dos inconfidentes, em 1789. UFMG / Ernane Fonseca
    Casa de Padre Toledo, hoje transformada em museu: prédio do fim do século XVIII foi onde o padre morreu e um dos locais de conspiração dos inconfidentes, em 1789. UFMG / Ernane Fonseca
    Portugal passou por uma calorosa ação cultural a partir da década de 1770, amplamente influenciada pelos ingleses e franceses. O iluminismo despertou interesses diversos entre os portugueses, especialmente na área agrícola e industrial, diante da possibilidade de inovar e abrir novas frentes de trabalho e aquecimento econômico. Em Lisboa, muitos impressos passam a incentivar novas técnicas para melhor explorar as colônias e amenizar a forte pressão da Inglaterra.
    Em 1776, quem se encontrava na movimentada Lisboa era o Padre Carlos Correia de Toledo e Melo, quando foi nomeado Vigário Colado da Freguesia de Santo Antônio, da vasta e rica Vila de São José, da Capitania de Minas Gerais. O padre tomou posse da vigária e somente em 1777 chegou à localidade para assumir suas funções.
    A Vila de São José, atual cidade de Tiradentes, foi a primeira da região do Rio das Mortes a ser ocupada e logo se tornou expressiva produtora de ouro. Seu território era muito grande, pois a Comarca do Rio das Mortes era dividida entre apenas as duas vilas irmãs: São José e São João, tendo o rio das Mortes como limite territorial.
    Descendente de cristão-velho e irmão inconfidente
    Carlos Toledo nasceu na Vila de São Francisco das Chagas de Taubaté, Capitania de São Paulo, em 1731. Seus pais eram Timóteo Corrêa de Toledo e Úrsula Isabel de Melo. Trata-se de uma família de cristãos-velhos, muito voltada para a religião. Seu irmão Bento Cortes de Toledo também era padre e foi seu ajudante na Vila de São José. Outro irmão, Antônio de Melo Freitas, tornou-se franciscano e adotou o nome de Antônio de Santa Úrsula Rodovalho, tornando-se mais tarde bispo em Angola, na África. Duas de suas irmãs se tornaram freiras. Seu pai, depois de ficar viúvo tornou-se padre também.
    O irmão Luís Vaz de Toledo Pisa se casou com Gertrudes Maria de Camargo, indo residir em Cotia e depois se instalou na Vila de São João del Rei. Sargento-mor da Cavalaria Auxiliar e assistente do Termo da Vila de São José, ele se envolveu com a Inconfidência Mineira e foi preso no dia 24 de setembro de 1789.
    Ao chegar a São José, Padre Toledo já possuía boa situação econômica. Mandou construir um belo casarão na Rua do Sol, edificado em blocos de moledo, retirados do Alto da Pedreira, atrás de sua propriedade. Com amplos salões, sala de jantar, biblioteca e um sobrado místico – torreão. Um dos aspectos mais interessantes do casarão é o conjunto de forros pintados. O autor das pinturas ainda está anônimo. Dentre os forros, dois merecem destaque: o da sala de jantar em gamela, apresentando frutas regionais e o da alegoria dos cinco sentidos.

    Toledo: entre os mais ricos
    Ficou registrado através dos autos de sequestro, nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Registrou-se a descrição da casa, com seus muros e cavalariça, assim como os detalhes do interior: mobiliário, os utensílios, os objetos e os livros de sua biblioteca. Chama a atenção entre os itens listados a existência de muitas cadeiras, são vários conjuntos, sendo um de 12 cadeiras de caviúna do campo com assentos de tripé carmesim. De sua biblioteca foram sequestrados 105 livros. A casa recebia muitas visitas e tinha muitos escravos, dentre eles Leandro Angola, além de um cozinheiro e dois músicos: José Mina, que tocava trompa, e Antônio Angola, que tocava rabecão.
    Padre Toledo tinha mais posses no Arraial da Laje, atualmente município de Resende Costa. Lá possuía uma fazenda e uma casa na sede, com escravaria, plantações de milho e feijão e terreno de mineração. Na paragem chamada Monte Alegre, Arraial de São Tiago, possuía terras minerais e mais escravos. Foi seu próprio irmão Padre Bento quem informou aos sequestradores sobre a existência de seu patrimônio particular. Depois, Padre Bento entrou com recurso, na sede da Comarca, alegando que os depositários desses bens não eram de sua confiança para gerenciar as propriedades.
    Há um objeto curioso que fora sequestrado em sua fazenda do Arraial da Laje: um tear. O mesmo objeto fora confiscado entre os bens de Cláudio Manoel da Costa. Trata-se de um equipamento de uso proibido pela Coroa Portuguesa, porque todos os tecidos tinham que ser importados da Inglaterra. Curiosamente, o tear se tornou amplamente utilizado na localidade e atualmente é a principal fonte de renda do município de Resende Costa, empregando centenas de pessoas. O pesquisador João Pinto Furtado, em O Manto de Penélope, levanta todos os bens dos inconfidentes e a partir do patrimônio, analisa a situação econômica de cada um. Toledo figura entre os mais ricos.

    “Tal dia será o batizado”
    A Comarca do Rio das Mortes concentrou a maior parte dos inconfidentes, devido à mobilização liderada por Padre Toledo. É importante lembrar que nesse período, a comarca abrigava a maior população da capitania, enquanto Vila Rica tinha decréscimo populacional.
    Em outubro de 1788, aconteceu a primeira reunião dos inconfidentes na Comarca do Rio das Mortes, que teve como pretexto o batizado de dois filhos de seu grande amigo Alvarenga Peixoto com Bárbara Heliodora – cujo casamento tardio, aliás, Toledo já havia oficializado. Tomás Após o batizado, Toledo ofereceu um banquete em sua casa, com a presença de muitos convidados, dentre eles: Luis Ferreira de Araújo e Azevedo (desembargador da comarca), Luís Vaz de Toledo Piza, Luís Antônio (Tesoureiro dos Ausentes) e obviamente: Toledo, Alvarenga e Gonzaga. Foi nesse dia em que se falou do movimento contra a Coroa Portuguesa e escolheram a senha para o levante: “tal dia será o batizado”. Comeram, beberam, sonharam: Gonzaga governaria por três anos, Bárbara Heliodora seria rainha, Alvarenga, o rei. Toledo seria o “Pontífice”. E “dizem que este Padre (Toledo) pensava, depois do levante, ser bispo desta capitania”, conforme depoimento, posterior. Luís Vaz completou: “...e eu, com este fagote cortaria, se necessário for, a cabeça ao General desta Capitania”, conforme registrado no Autos de Devassa, Vol. 4, página 138.
    Vila Rica era sempre visitada por Padre Toledo, que se hospedava com o Desembargador Gonzaga. Em dezembro de 1788, estiveram reunidos na casa do comandante dos Dragões de Minas, Francisco de Paula Freire de Andrade. Alvarenga Peixoto fora convocado por Toledo, através de uma carta que dizia: “Alvarenga, Estamos juntos, e venha Vme. já. Amigo Toledo.” Para o levante, Toledo ofereceria 100 homens montados de suas propriedades e assegurou o apoio de São José, Borda do Campo e Tamanduá. Toledo ficou, ainda, de mobilizar São Paulo, a partir de Taubaté, onde ainda tinha parentes e para lá enviara um sobrinho citado como um “Claro de tal”.

    O padre radical
    Nas reuniões em que traçaram as primeiras medidas após o levante, Toledo estava presente com suas posições consideradas “radicais”. Havia divergências. Discutiram sobre o que fariam com o Visconde de Barbacena, queriam que fosse decapitado. Gonzaga queria a cabeça do General de Minas Gerais, pela qual Toledo suplicou. Gonzaga respondeu “que havia de ser o primeiro que havia de morrer”. Sobre os europeus que moravam na Capitania, Toledo queria que fossem “eliminados”. Havia, também, preocupação entre os conspiradores com a presença dos “mazombos” - os nascidos na América Portuguesa. Toledo previa uma guerra de três anos contra a Coroa Portuguesa, achava que ela se alastraria pelas demais capitanias da colônia. Tratou-se do tema escravidão e Toledo endossou a proposta de Alvarenga: alforriar os crioulos – escravos nascidos no Brasil e os mulatos. Nas reuniões, o iluminista mais citado era o Abade Raynal (1713/1796). Segundo Padre Toledo, o Abade Raynal  ensinava “o modo de fazerem os levantes”.
    Envolvido com a conspiração, o gerenciamento de suas propriedades agrícolas e de mineração, a vasta vigária da Freguesia de Santo Antônio, Toledo ainda conseguiu criar entreveros com os habitantes do Arraial de São Bento do Tamanduá (atual município de Itapecerica), que pertencia ao Termo de São José, mas eclesiasticamente esteve ligado a Curral Del-Rei. Tamanduá tornara-se uma comunidade expoente devido à pecuária e à mineração aurífera. Em oposição à vigária local, Toledo dirigiu-se à Tamanduá, mas não encontrou a chave da igreja, a população saíra da localidade, em protesto. Houve intervenção do comandante Inácio Correia Pamplona, mas o povo não arredou. O episódio é longo e amplamente documentado pelo pesquisador Waldemar de Almeida Barbosa.
  • Teto de um dos salões da Casa do Padre Toledo, que visitei em fevereiro de 2014, hoje um moderno museu.
  • Leia mais no interessante artigo em: 
  • http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/padre-toledo-um-lider-inconfidente

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