terça-feira, 11 de agosto de 2015

DEFENSORES DE ARMAS SÃO OLAVETES PAGOS PELAS FÁBRICAS

Indústria da bala doa quase R$ 2 milhões em 2014

Do total repassado, R$ 1,019 milhão seguiu para candidatos a uma vaga na Câmara nas últimas eleições. Deputados favoráveis à revisão do Estatuto do Desarmamento estão a serviço de empresas que monopolizam mercado armamentista, diz Instituto Sou da Paz

EBC/Brianbgv/Flickr
Bancada da bala domina discussões sobre Estatuto do Desarmamento
Dados atualizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelam que as doações da indústria armamentista nas eleições gerais de 2014 chegaram a R$ 1,91 milhão, com valores distribuídos a 21 candidatos ao cargo de deputado federal (veja tabela abaixo), 12 ao cargo de deputado estadual, dois pleiteantes ao posto de governador e um aspirante a senador. Todos os candidatos à Câmara financiados pelo setor foram eleitos ou ao menos conseguiram vaga de suplente (quatro ocorrências, nesse caso). As informações constam de levantamento do Instituto Sou da Paz, organização não governamental (ONG) de combate à violência, e foram repassadas com exclusividade ao Congresso em Foco.
Quem mais recebeu doações do setor foi o deputado estadual paranaense Pedro Deboni Lupion Mello (DEM), que foi contemplado com R$ 149,8 mil das duas empresas (R$ 74,9 mil de cada). O segundo maior beneficiário foi o deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que ficou com R$ 130 mil, mas apenas da CBC. Declaradamente favorável à flexibilização do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), Faria de Sá compõe uma comissão instalada na Câmara justamente para apreciar o Projeto de Lei 3722/2012, que promove mudanças na legislação citada.
O parlamentar é um dos que foram financiados pela indústria da bala com o intuito de promover a elaboração e a aprovação de proposições que interessam ao setor, como o próprio PL 3722 – em resumo, o texto permite a posse de armas em casa, no local de trabalho (se for dono do estabelecimento) ou em propriedades rurais, aumentando o número de armas e munições por cidadão. Entre os pontos polêmicos da proposta está o que garante ao cidadão, sob certas condições, o direito de adquirir e portar na rua até nove armas de fogo. O texto também aumenta o número de munição para portadores de armamento: de 50 balas por ano para 50 balas por mês.
As campanhas foram custeadas por apenas duas das maiores empresas de armas e munições do país: a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) e a Forjas Taurus S.A., que detêm o monopólio do setor. Segundo o levantamento do Sou da Paz, apenas a CBC repassou R$ 1,04 milhão, enquanto a Taurus desembolsou R$ 870 mil no pleito de 2014. Do valor total repassado, R$ 1,019 milhão foi reservado a candidatos a uma cadeira na Câmara.
No ano passado, 84% dos deputados federais e estaduais financiados pela chamada “indústria da bala” foram eleitos. Dos 36 pleiteantes a cargo eletivo, apenas três não conseguiram se eleger: o ex-deputado Vieira da Cunha (PDT), que disputou a vaga de governador do Rio Grande do Sul; Paulo Skaf (PMDB), que tentou o mesmo cargo em São Paulo; e Moreira Mendes (PSD), que disputa uma vaga no Senado. Eles receberam, respectivamente, R$ 40 mil, R$ 100 mil e R$ 50 mil.
Bancada da bala
O repasse de cifras milionárias a candidatos a cargos eletivos não é mera questão de filantropia ou afinidade ideológica entre empresas e políticos. Por trás da ajuda financeira, como atestam os mais recentes movimentos da chamada “bancada da bala”, que reúne os parlamentares – financiados ou não pelo setor – simpáticos à ideia de armar a população. E a ação é recorrente e sistemática: dos 21 postulantes financiados em 2014, dez já haviam recebido doações do setor nas eleições de 2010.
Além de figuras como o próprio Arnaldo Faria de Sá, estão nessa lista de beneficiários costumeiros nomes como Onyx Lorenzoni (DEM-RS), com R$ 100 mil em doações (R$ 50 mil de cada empresa); Alberto Fraga (DEM-DF), com R$ 80 mil da Taurus; e Pompeo de Mattos (PDT-RS), que recebeu R$ 70 mil ao todo (R$ 50 mil da CBC e R$ 20 da Taurus). Não por coincidência, todos eles compõem a comissão que discute a revisão do Estatuto do Desarmamento.
O investimento traz frutos. Desde o início desta legislatura (2015-2018), intensificaram-se os trabalhos da comissão especial do PL 3722, de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC). O colegiado já realizou diversos debates e audiências públicas desde sua instalação. O mais recente ato da comissão foi formalizado na última quinta-feira (6), quando o deputado João Rodrigues (PSD-SC) apresentou requerimento para realização de mesa redonda, na Assembleia Legislativa de São Paulo, para discutir o projeto “com diferentes setores da sociedade”. Em tempos de discussão sobre a maioridade penal e os crescentes índices de criminalidade no país, deputados favoráveis ao projeto têm conseguido impor a pauta do colegiado.
As empresas armamentistas emplacaram oito “representantes” da comissão especial. Um deles está estrategicamente acomodado no posto de presidente do colegiado, o deputado Marcos Montes (PSD-MG), a quem cabe definir pauta e ritmo dos trabalhos. O instituto lembra que um dos membros da comissão, Alberto Fraga, recebeu os recursos da Taurus por meio do comitê de campanha do DEM, o que dificulta a identificação desse registro.
Fraga é um dos mais assíduos e atuantes no colegiado. “Não surpreende que seja dele o requerimento para ouvir o representante da indústria de armas e munições, uma forma clara de devolver o apoio que recebeu para se eleger”, observa o diretor-executivo do Sou da Paz, Ivan Marques, lembrando que o deputado já protocolou três propostas, apenas em 2015, “para ampliar o mercado de armas”.
Na linha de Fraga atua o presidente da comissão, Marcos Montes. Contemplado com R$ 40 mil para sua campanha em 2010 e R$ 30 mil para o pleito do ano passado, o parlamentar mineiro é autor de três projetos de lei que beneficiam a indústria de armas e munições: o PL 633/2015, que autoriza porte de arma a fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e dos órgãos do trabalho; o PL 805/2015, que concede o porte a agentes socioeducativos; e o PL 1102/2015, que estende a prerrogativa a deputados federais e senadores.
Estratégia
Como lembra o Sou da Paz, a indústria da bala visa ampliar seu leque de possibilidades ao investir no máximo de partidos e localidades possíveis. Em 2014, 13 legendas distribuídas em 15 estados receberam doações para as respectivas campanhas. PMDB e DEM, informa o instituto, concentram 54% do volume de verbas destinados às siglas. Candidatos e partidos de São Paulo e do Rio Grande do Sul, estados que abrigam as principais fábricas de armas, receberam 50% das doações.
“Este tema ganha especial relevância quando o projeto de reforma política em discussão no Congresso Federal, em sua versão atual, já aprovada pela Câmara dos Deputados, prevê a doação de empresas unicamente aos partidos, o que dificultará ainda mais a identificação dos parlamentares cujas campanhas foram financiadas por indústrias e interesses específicos”, diz Marques, acrescentando que o retorno dado às empresas pelos parlamentares financiados é rápido.
Na justificativa de seu projeto, Rogério Peninha critica a tramitação do atual estatuto. “A par do grande impacto que causaria na sociedade brasileira, o Estatuto do Desarmamento ingressou no mundo jurídico sem a necessária discussão técnica sobre seus efeitos ou, tampouco, sua eficácia prática para a finalidade a que se destinava: a redução da violência. Fruto de discussão tênue e restrita ao próprio Congresso, sua promulgação ocorreu bem ao final da legislatura de 2003, ou, como identifica o jargão popular, no ‘apagar das luzes’”, diz o deputado.
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/industria-da-bala-doa-quase-r-2-milhoes-em-2014/

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